20.11.11

ninguém gosta de despedidas...

nasci porque tu quiseste mais que ninguém, logo devo-te a vida duas vezes...
ficam as tuas mãos que me pareciam enorme e reconfortantes.
fica a tua altura que me parecia exagerada porque não te podias ajoelhar.
ficam as férias em que sempre me levavas contigo para pôr "papeis" por data quando ías trabalhar.
ficam as sinfonias que ouvíamos em cassetes que já não existem: Rimsky-Korsakov (o teu preferido), junto com CHopin, Vivaldi e Tchaikovsky (os meus preferidos) e ainda Mozart e Strauss (amor partilhado desde cedo por ambos).
ficam os almoços que fazíamos sozinhos debaixo de alguma árvore frondosa, no verão, nalgum restaurante habitual, no Inverno, em que conversávamos como dois adultos.
fica o silêncio, que "é de ouro" e que me ensinaste a escutar até quase não poder mais, de tanto que me custava descobri-lo no meio da natureza (com tantos sons maravilhosos que tem).
ficam as aguarelas que pintavas tão excepcionalmente, inspirado em grandes mestres como Roque Gameiro ou António Salvador, com quem aprendeste tantas coisas: "ainda não podes ver, porque não está pronto", dizias...
ficam as surpresas que me fazias quando me aparecias aqui ou acolá para veres se me portava bem e eu nem percebia até à noite que me dizias ter estado a observar-me.
ficam todos os princípios (hoje tão raros de encontrar) que me transmitiste: a amizade verdadeira, a honestidade, a rectidão, a verticalidade e coerência entre muitos outros, que me sustêm.
ficam os bilhetinhos que guardavas ciosamente numa caixa sempre que te escrevia a agradecer a tua companhia e o teu amor.
fica a paixão pelos livros que de tantos que eram já os comprávamos às escondidas...
fica a cumplicidade que provocava ciúmes em muita gente e achavámos cómico.
ficam as conversas intermináveis sobre todos os assuntos da vida que realmente importam.
fica o amor pela estética que me transmitiste tão serenamente e quase sem eu dar por isso.
fica o apoio que esteve lá sempre que necessitei.
ficam tantas coisas que não cabem num texto muito menos num blogue qualquer que me lembrei de inventar...
fica a tua presença no meu coração que nunca poderá ser destruída por toda a eternidade.
ficam as minhas irmãs, minhas melhores amigas a partilharem comigo a dor de ter de abdicar de ti...
mas ficamos todos bem graças também a ti: filhas, genros, netos!
não estou preparada, porque não estamos nunca, mas...
já chega de sofrer,
podes partir em luz e em paz, Pai!